Homens, Sapos e Vaga-Lumes

O Brasil perde um patrimônio valioso com a redução da sua biodiversidade causada pela degradação ambiental

O que os seres humanos fazem no dia a dia para satisfazer suas necessidades em um mundo dominado pela tecnologia tem grande impacto sobre o planeta Terra. E, à medida que a natureza vai sendo degradada por conta dessas ações, outros seres vivos são afetados.

Exemplos? Muitos!

Com o aumento da exportação de grãos, a soja invadiu o cerrado (segundo maior bioma brasileiro, localizado no Brasil Central), tomando conta das pastagens. A consequência imediata foi a eliminação dos cupinzeiros, habitat natural dos pirilampos ou vaga-lumes. Há poucos anos, era possível apreciar os cupinzeiros luminescentes no entorno do Parque Nacional das Emas, em Goiás – milhares de minúsculos pontos luminosos, um espetáculo único, de muita luz em meio à escuridão. Tão magnífico que as emissoras de televisão NHK, do Japão, e BBC, do Reino Unido, além da Rede Globo, fizeram especiais sobre o assunto.

“O fenômeno se explica pela relação de mutualismo (ou simbiose, associação permanente entre espécies e indispensável à sobrevivência das partes, que não podem viver separadas) entre classes de cupins e de vaga-lumes da espécie Pyrearinus termitilluminans. As larvas dos vaga-lumes emitem as luzes em túneis na superfície do cupinzeiro”, explica o professor Vadim Viviani, coordenador do grupo de Bioluminescência e Biofotônica da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo. “As populações desses insetos diminuíram drasticamente região”, constata Viviani. Os prejuízos são grandes, inclusive financeiros.

Com a redução da biodiversidade, nosso país perde um patrimônio importante de substâncias presentes em espécies vegetais e animais, úteis em várias aplicações. Por exemplo, no Brasil e no Japão, há patentes registradas de produtos desenvolvidos pelo grupo de Viviani, derivados de pesquisas com os vaga-lumes. “Se nada for feito, não aproveitaremos mais esses recursos naturais importantes”, alerta o pesquisador.

“Viviani estima que existam mais de 2.000 espécies de vaga-lumes no Brasil, das quais somente cerca de 500 estão catalogadas e talvez muitas já tenham desaparecido. Um desastre ambiental silencioso. Afinal, “poucos sabem da importância das moléculas de vaga-lumes em biomedicina e em biotecnologia nos dias de hoje”.

Os anfíbios são outro exemplo de seres vivos impactados pela degradação ambiental. A destruição da mata ciliar (vegetação das margens de rios e mananciais), causada por agricultores, além de provocar assoreamento, desconecta a água da floresta. Isso é terrível para os anfíbios porque, bem no início da estação das chuvas, os sapos adultos descem das matas para os rios, riachos e lagoas para se reproduzir. Ao fim da estação chuvosa, os filhotes deixam as águas e sobem à procura de algum fragmento florestal. Mas, como as áreas entre a água e a floresta têm deixado de ser contínuas, essa migração torna-se perigosa. Afinal, os sapinhos precisam atravessar roças, pastagens inóspitas com gado e predadores, condomínios e estradas. Nesse cenário, muitos não sobrevivem. Se não bastassem as mutações causadas por chuva ácida, agrotóxicos e fertilizantes. Não é à-toa que cem espécies de salamandras, rãs, pererecas e sapos desapareceram nos últimos 30 anos.
Preocupante? Pior! Isso nos afeta diretamente.

Segundo o polêmico cientista e ambientalista inglês James Lovelock, criador, nos anos 1960, da Hipótese Gaia, todos os seres vivos do planeta reagem às mudanças que provocamos e as amplificam. Sua teoria diz que todos os organismos, agindo em conjunto, formam um sistema ativo objetivando manter a Terra habitável. Algumas algas, por exemplo, utilizam o carbono do ar no seu crescimento e liberam outros gases que formam nuvens sobre a atmosfera. As nuvens ajudam a defletir os raios solares. Sem elas, a Terra seria um lugar muito mais quente e seco. Com o aumento da temperatura dos oceanos, essas algas estão morrendo. “Este é apenas um exemplo”, diz Lovelock, “de como a capacidade autorreguladora do sistema Gaia está sendo rompida.”

Será o início do caos? Será que atingimos um ponto irreversível da degradação ambiental, como afirma Lovelock?

Por Sidney Tobias de Souza – analista de sistemas da Prodam


Para saber mais!

* A vingança de Gaia, deJames Lovelock.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. 159 p. Nesta obra, Lovelock aponta os problemas e sugere como solução (polêmica) para salvar o planeta Terra a defesa da energia nuclear.

* Antes que os vaga-lumes desapareçam ou A influência da iluminação artificial sobre o ambiente, de Alessandro Barghini.
São Paulo: Annablume, 2010. 192 p. Você se lembra do caldo de cana que infectou 12 pessoas com o vírus do barbeiro em Navegantes, Santa Catarina, em 2005? Pois saiba que a causa foram as lâmpadas artificiais. É sobre isso e muito mais que Barghini escreve

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